Livraria premiada inaugura Editora com jovem autor
A livraria mais premiada a nível nacional nos últimos quatro
anos, assume, a partir do próximo sábado, a chancela editorial com o seu nome.
A das Artes Editora estreia-se com o segundo romance de um
jovem autor, Gonçalo Naves, que aos 18 anos publicou autonomamente a sua
primeira obra, Bem-vindos a esta noite branca, de temática não muito
usual para quem com esta idade se dedica às letras. Velhice, solidão, abandono
eram os temas centrais da obra.
Com É no peito a chuva, o novo trabalho, Gonçalo,
agora com 20 anos e a cursar o terceiro ano de Direito, vai evidenciando os
meandros e perplexidades de uma dicotomia campo/cidade construída por
personagens que surgem e se vão, como o camião do lixo madrugador, ou a
locomotiva que o não é.
Excerto:
Sempre chegam as duas horas da madrugada e um fiozito de barulho começa
lento no escuro arrastando-se aos tropeções, um som próximo e distante entre o
negro severo alcatrão e todos os ouvidos do bairro, porque a bem ver não há
peito capaz de descansar nas horas em que sem dar cuidado a solidão ganha uma
força imbatível. É a hora em que me ergo me aconchego à janela e para lá da
janela uma locomotiva que não é locomotiva nenhuma salpicando-me os vidros de
cores intermitentes, num chiar as rodas dos
caixotes arranhando a calçada e de quando em quando há uma pedrita de
extremidades mais salientes e, então, o caixote ameaçando um trambolhão dois
trambolhões três e vai daí num vigor de ferro implacável delicado sem dar sua conta
uma mão imobilizando-o em equilíbrio, mão que está um braço para trás do corpo,
enquanto a locomotiva que não é locomotiva nenhuma ergue uma tenaz informada
sobre as sensibilidades dos caixotes elevando-os tal qual a gente eleva um
filho um sobrinho um neto, apresentando-os ao mundo. É a hora dos senhores do
lixo e os senhores do lixo corteses perante a noite, com ínfimo engenho
levantam os mapas da escuridão num trabalho que é feito com mãos com toque de
artesão, imbatível fugaz pressa em terem as coisas feitas com propriedade que
não dão conta de mais nada, não se agitam com movimento algum por saberem numa
sabedoria quase inata de que a noite pode nada contra eles. É gente que não
existe para nós, não aquece nem arrefece, tanto se nos dá como se nos deu, que
quando com eles partilhamos uma rua nunca se atrevem no nosso caminho e se por
infeliz acaso as nossas trajetórias são sobrepostas o que acontece é passarmos
por dentro deles não tocando em coisa nenhuma. As bocas cerram-se para sempre e
só os peitos falam, só os nossos peitos comunicam e agora me despeço deles num
submisso silêncio vendo-os pularem para cima da locomotiva de abalada quedando
tudo numa beleza mais triste.
A das Artes recebeu o 1º Prémio de Livraria Preferida dos
Portugueses nos anos de 2015 e 2016; Em 2017 foi contemplada com o 2º Prémio;
Desde 2014 que acumula as distinções com o galardão Melhor Atendimento (2014,
2015, 2016 e 2017).
Em Sines desde 2003, A das Artes já recebeu mais de cem nomes
grandes das artes e letras, de Sérgio Godinho a Robert Wilson, Mia Couto a José
Luís Peixoto (que voltará a 19 de Dezembro, pelas 18 horas), João Lagarto,
David Murray, António Chaínho, Peste & Sida, Valter Hugo Mãe ou o recém
premiado com o Prémio Leya, João Pinto Coelho que, aliás, ali irá apresentar o
romance vencedor Os loucos da rua Mazur já no próximo dia 2 de Dezembro,
pelas 11 horas da manhã.
O lançamento simultâneo da A das Artes Editora e do seu
primeiro livro É no peito a chuva, de Gonçalo Naves, está marcado para
sábado, 25 de Novembro, às 16 horas, no Centro de Artes de Sines.